7.5.03







LEMBRANÇAS DE MAURO RASI - “Para o Valdir Leite, com um beijo carinhoso do Mauro.” Essa é a dedicatória que consta do meu exemplar do livro Trilogia Mauro Rasi, lançado pela editora Relume Dumará. O livro contém os textos das peças A Estrela do Lar, A Cerimônia do Adeus e Viagem a Forli. São as peças que formam a chamada trilogia autobiográfica, onde Mauro retrata de forma bem teatral episódios que marcaram sua vida pessoal e familiar. De certa forma, foi com esses espetáculos que Mauro rompeu definitivamente com o chamado “besteirol” e passou a fazer aquilo que chamamos de “grande teatro”. Apesar de que, o “besteirol” sempre foi “grande teatro”.


Para lançar a trilogia editada em livro Mauro fez uma grande festa no Copacabana Palace. Foi uma noite de glória para ele. Garçons elegantes serviam o melhor champanhe as maiores estrelas do teatro, da política e do soçaite carioca. A pérgula do Copacabana fervilhava com tanta gente conhecida. Uma fila enorme de celebridades aguardava ansiosa por um autógrafo do nosso maior dramaturgo. E o teatro brasileiro, naquela noite, foi unânime em reafirmar que Mauro Rasi era o nosso maior dramaturgo vivo.




Na época do lançamento do livro, a peça de Mauro que estava em cartaz era Pérola, cujo personagem principal era sua própria mãe. A família, como sabemos, sempre foi a maior das inspirações de Mauro Rasi, assim como foi com Nelson Rodrigues. Então, no meio da sua festa, as luzes se apagaram. Um grupo de bailarinas mergulhou na piscina do Copa e começou a fazer um balé aquático. Todo mundo parou para assistir, com taças de champanhe na mão, as moças evoluindo na piscina graciosamente iluminada, dançando em volta de um pequeno barco cheio de flores. Foi então que surgiu, gloriosa sob um facho de luz, a atriz Vera Holtz, caracterizada como Pérola, personagem que interpretava no teatro. O Copacabana Palace veio abaixo com aplausos e assobios. Ela então caminhou graciosamente até a piscina, entrou no barco e ficou navegando entre bailarinas que dançavam ao som de uma bela canção italiana. Os convidados ficaram embevecidos com a capacidade de Mr. Rasi de viver o teatro em toda a dimensão.




Uma das pessoas mais animadas da festa do Copacabana Palace era a crítica Bárbara Heliodora, que parecia muito feliz com toda aquela celebração ao teatro, que estava acontecendo no Copa. Sempre ao lado de sua grande amiga Jaqueline Lawrence, ela ria muito com os sinais de vida do teatro que pululavam por todos os cantos da festa. Como não podia deixar de ser, foi de Madame Bárbara a apresentação do livro do Mauro. Entre outras coisas ela escreveu: “Além de difícil empreitada, uma trilogia é também uma prova de fôlego e o que temos aqui é uma sinalização que Mauro Rasi nos manda, avisando que sua intenção é a de cumprir uma longa carreira de autor teatral, disposto a lutar para que não haja mais interrupções em nossa dramaturgia. Que assim seja.


As peças que compõem a trilogia são três clássicos do teatro brasileiro. Donas de uma teatralidade que permitirá a existência delas, ao longo do tempo, independentes da presença do seu autor. Conheci Mauro Rasi no Teatro Candido Mendes, quando estava em cartaz o espetáculo Pedra, a Tragédia, que assisti várias vezes. Lembro que, enquanto conversávamos, ele me contou que estava escrevendo um novo texto. Curioso, perguntei como se chamava ele disse que só queria revelar o título quando o espetáculo estivesse sendo ensaiado. “É que se eu falar o nome da peça as pessoas vão saber do que se trata. E eu quero que isso seja uma surpresa”. A peça era A Cerimônia do Adeus.




Para mim foi uma experiência mágica assistir A Cerimônia do Adeus. Um encontro visceral com a arte de fazer teatro. Foi como estar frente a frente com os deuses do teatro, tal o grau de perfeição e entrosamento havido entre texto, direção e atuação dos atores. A peça narra a adolescência de Juliano (Marcos Frota), o alter ego de Rasi, vivendo numa cidade do interior. Juliano é um jovem moderno, culto, se acha um grande artista e tem certeza que Bauru é uma cidade pequena demais para seus sonhos. Obcecado pela leitura, ele vive agarrado aos livros de Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre. E nesse momento entra a grande sacada teatral do Mauro. Ele deu vida aos livros, que na peça eram interpretados por Sergio Britto (Sartre) e Nathalia Timberg (Simone). Então Sartre e Simone, como personagens, participavam da vida daquela família do interior, dando conselhos, fazendo as refeições, se envolvendo nas discussões. Era muito engraçado. E brilhante!




A Estrela do Lar mostra Juliano escrevendo uma peça. É um texto sobre uma espiã nazista e sua paixão por um oficial do III Reich. Mas, para escrever os diálogos ele grava as conversas de seus pais e os utiliza na peça que escreve. Além disso, a espiã é um personagem inspirado em sua própria mãe. A Estrela do Lar começa mostrando o cotidiano familiar do Juliano e depois, como num delírio, esse cotidiano vai se transformando na peça que ele escreve, uma história policial no glamour da segunda guerra. Parece uma obra de Woody Allen de tão inteligente e bem sucedida.


Viagem a Forli é o momento em que Juliano sai da casa dos pais e ganha o mundo. Forli é uma cidadezinha da Itália, que representa o sonho de realização do jovem Juliano. Nessa peça, além da dramaturgia bem engendrada do texto, havia uma bem sucedida utilização de recursos visuais que fazia o espectador viajar com o personagem por uma paisagem italiana, com a neve caindo durante o inverno. Era um espetáculo comovente e melancólico. E inesquecível.

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